EU
O
que mais detesto em mim são as lágrimas. Encharcam-me os olhos sem que as consiga dominar. Sentada no cais
do rio, mal vejo a pequena embarcação de pesca que se prepara para a pesca
da lampreia.
-Ó
Zé! Atão, já tás pronto? – ouço perguntar .
-
Dois minutos para acabar de preparar as redes. – respondeu alguém.
Por
momentos, as vozes afastaram-me da tristeza que me consumia, mas depressa
voltei às minhas lembranças.
Tudo começou nas férias do verão passado, quando
conheci um rapaz a quem dediquei uma amizade que foi crescendo e que nos
aproximou ao ponto de passarmos todo o tempo juntos. Quando voltei para casa, o
sentimento continuou a evoluir através de contactos pela internet, por chamadas
ou mensagens. Começamos a namorar e tudo corria bem, mesmo que à distância. Parecia um conto de fadas. Até que,
há uma semana, ele deixou de responder.
ELE
Conheci-a
na piscina. Estava farto dos jogos de tabuleiro e, então, fui dar um mergulho.
A piscina estava deserta, à exceção de uma rapariga de longos cabelos, cor de
mel, bastante encaracolados . Andava de um lado para o outro, com um livro nas
mãos, a ler.
Fui
ao encontro dela, toquei-lhe no braço para lhe dar um olá. Uns olhos
esverdeados, como musgo seco, tímidos e inteligentes encontraram os meus. Com o
susto, ela acabou por se desiquilibrar, e, num salvamento falhado, acabamos por
cair os dois à água. Completamente encharcados, saímos da piscina.
- Como te chamas?- perguntei.
-
Rita.
EU
O
que é que eu fiz de errado? Será a distância que nos está a separar? Terá
conhecido uma nova pessoa?
Foi
com a cabeça cheia de perguntas sem resposta e com a minha tristeza como
companhia que voltei para casa, já o dia minguava. Encontrei o meu pai a ver o
noticiário e sentei-me ao seu lado a tentar distrair-me. Reconheci, de imediato,
a cara que estava a passar na televisão. Aproximo-me, é ele! Não acredito! É o
André!
Nervosa,
peço ao meu pai para aumentar o volume e puxar a notícia para o início. Está
desaparecido há seis dias.
ELE
Mais
tarde, naquele dia de verão, fomos dar um passeio. Falamos muito sobre nós. Eu
contei-lhe como gosto de viajar, de conhecer novos sítios e ela, simplesmente,
olhava para mim com os seus olhos verdes.
Sabíamos
que o tempo passaria depressa. Por isso, aproveitámos para estar juntos e gozar do bem estar que
sentíamos. Estávamos muito próximos e as férias foram ótimas.
Na
última tarde de férias ela veio ter comigo para se despedir. Nos olhos trazia
dois lagos de águas paradas e tristes.
Envergonhado, aproximei-me e beijei-a,
um beijo leve como que a pedir desculpa
por me ir embora.
-
Vamos manter o contacto? - perguntou.
-
Claro! A primeira mensagem ainda a hás de
receber hoje. - respondi.
Temos
falado todos os dias. Já a pedi em namoro e ela aceitou.
Ia a
pensar nela quando, há uma semana atrás, fui a uma florista, num shopping,
comprar umas rosas para oferecer à minha mãe. De volta a casa, fui abordado por
uma carrinha de onde saíram dois indivíduos que me obrigaram a entrar no carro
e me trouxeram até este buraco que não sei onde fica. Ainda não percebi o que
querem fazer comigo. Para não pensar no pior, resgato recordações dos tempo
felizes que vivi com a Rita. Deve estar a estranhar eu não contactar.
EU
Depois
de ouvir a notícia, tresloucada, agarrei o telemóvel e tentei ligar-lhe várias
vezes. A pergunta martelava-me a cabeça:
“Estará vivo?”
O
meu pai assistia ao meu desespero, muito
admirado, e acabou por perguntar se conhecia o rapaz. Eu respondi que sim, que era
um amigo muito especial que tinha conhecido nas férias.
-
Tem calma, vamos estar atentos às notícias. - disse-me ele.
Calma?
Impossível.
Nas
nossas conversas, o André tinha-me falado, por alto, de ameaças anónimas que
recebia de vez em quando mas que ele não valorizava. Estariam ligadas ao seu
desaparecimento?
Com
quem poderia falar?
Lembrei-me
do peluche que me ofereceu num dos nossos passeios pelas lojas e que foi a
nossa mascote nos dias que passamos juntos. Deve ser possível detetar o cheiro
do André através dele. Tenho que ir ao Porto.
-
Pai, leva-me ao Porto, por favor, acho
que sei como ajudar a polícia a encontrar o meu namorado – supliquei de forma a
não dar hipóteses de ter um não como resposta.
Ao
sairmos de Lisboa, da nossa casa, deparámo-nos com uma carrinha estacionada em
cima do passeio. Lá dentro estavam dois homens com aspeto estranho. Ao abrir a
porta do carro, alguém me tapou a cabeça
e me arrastou. Acho que fui raptada.
ELE
Já
se passaram sete dias, não há luz. Tenho medo.
Parece-me
ouvir o ruído de um motor. Talvez seja a polícia. Há uma porta enferrujada a
abrir. Não, não é a polícia, são os
raptores e trazem mais alguém que se debate e tenta libertar-se. Parece-me a
voz da Rita a gritar. Levanto-me em sobressalto e espero que lhe destapem a
cabeça. Lá estão os olhos da Rita, agora
vermelhos de tanto chorar, incrédulos e aterrorizados.
-
Olha os dois pombinhos juntos - ironizou um dos indivíduos.
-
Devias ter dado mais atenção às ameaças - vociferou outro.
-Larguem-na!
- gritei.
Inesperadamente,
ouço o som do gatilho. Fui atingido. Consigo ver dois olhos verdes postos em
mim, desfeitos em lágrimas.
Há sirenes
ao longe. Vejo a Rita escapar antes dos meus olhos se fecharem completamente.
"Quem escreve um conto, acrescenta
um ponto", 8.º ano, maio 2017