quinta-feira, 11 de maio de 2017

ELE e EU - 8.º ano



fonte da imagem: Dreamstime


EU

O que mais detesto em mim são as lágrimas. Encharcam-me os olhos  sem que as consiga dominar. Sentada no cais do rio, mal vejo a pequena embarcação de pesca que se prepara para a pesca da  lampreia.
-Ó Zé! Atão, já tás pronto? – ouço perguntar .
- Dois minutos para acabar de preparar as redes. – respondeu alguém.
Por momentos, as vozes afastaram-me da tristeza que me consumia, mas depressa voltei às minhas lembranças.
Tudo  começou nas férias do verão passado, quando conheci um rapaz a quem dediquei uma amizade que foi crescendo e que nos aproximou ao ponto de passarmos todo o tempo juntos. Quando voltei para casa, o sentimento continuou a evoluir através de contactos pela internet, por chamadas ou mensagens. Começamos a namorar e tudo corria bem, mesmo que à  distância. Parecia um conto de fadas. Até que, há uma semana, ele deixou de responder.

ELE

Conheci-a na piscina. Estava farto dos jogos de tabuleiro e, então, fui dar um mergulho. A piscina estava deserta, à exceção de uma rapariga de longos cabelos, cor de mel, bastante encaracolados . Andava de um lado para o outro, com um livro nas mãos, a ler.
Fui ao encontro dela, toquei-lhe no braço para lhe dar um olá. Uns olhos esverdeados, como musgo seco, tímidos e inteligentes encontraram os meus. Com o susto, ela acabou por se desiquilibrar, e, num salvamento falhado, acabamos por cair os dois à água. Completamente encharcados, saímos da piscina.
 - Como te chamas?- perguntei.
- Rita.

EU
O que é que eu fiz de errado? Será a distância que nos está a separar? Terá conhecido uma nova pessoa?
Foi com a cabeça cheia de perguntas sem resposta e com a minha tristeza como companhia que voltei para casa, já o dia minguava. Encontrei o meu pai a ver o noticiário e sentei-me ao seu lado a tentar distrair-me. Reconheci, de imediato, a cara que estava a passar na televisão. Aproximo-me, é ele! Não acredito! É o André!
Nervosa, peço ao meu pai para aumentar o volume e puxar a notícia para o início. Está desaparecido há seis dias.

ELE

Mais tarde, naquele dia de verão, fomos dar um passeio. Falamos muito sobre nós. Eu contei-lhe como gosto de viajar, de conhecer novos sítios e ela, simplesmente, olhava para mim com os seus olhos verdes.
Sabíamos que o tempo passaria depressa. Por isso, aproveitámos  para estar juntos e gozar do bem estar que sentíamos. Estávamos muito próximos e as férias foram ótimas.
Na última tarde de férias ela veio ter comigo para se despedir. Nos olhos trazia dois  lagos de águas paradas e tristes. Envergonhado,  aproximei-me e beijei-a, um beijo leve  como que a pedir desculpa por me ir embora.
- Vamos manter o contacto?  - perguntou.
- Claro! A primeira mensagem ainda a hás de  receber hoje. - respondi.
Temos falado todos os dias. Já a pedi em namoro e ela aceitou.
Ia a pensar nela quando, há uma semana atrás, fui a uma florista, num shopping, comprar umas rosas para oferecer à minha mãe. De volta a casa, fui abordado por uma carrinha de onde saíram dois indivíduos que me obrigaram a entrar no carro e me trouxeram até este buraco que não sei onde fica. Ainda não percebi o que querem fazer comigo. Para não pensar no pior, resgato recordações dos tempo felizes que vivi com a Rita. Deve estar a estranhar eu não contactar.

EU

Depois de ouvir a notícia, tresloucada, agarrei o telemóvel e tentei ligar-lhe várias vezes. A pergunta  martelava-me a cabeça: “Estará vivo?”
O meu pai  assistia ao meu desespero, muito admirado, e acabou por perguntar se  conhecia o rapaz. Eu respondi que sim, que era um amigo muito especial que tinha conhecido nas férias.
- Tem calma, vamos estar atentos às notícias. - disse-me ele.
Calma? Impossível.
Nas nossas conversas, o André tinha-me falado, por alto, de ameaças anónimas que recebia de vez em quando mas que ele não valorizava. Estariam ligadas ao seu desaparecimento?
Com quem poderia falar?
Lembrei-me do peluche que me ofereceu num dos nossos passeios pelas lojas e que foi a nossa mascote nos dias que passamos juntos. Deve ser possível detetar o cheiro do André através dele. Tenho que ir ao Porto.
- Pai, leva-me ao Porto, por favor,  acho que sei como ajudar a polícia a encontrar o meu namorado – supliquei de forma a não dar hipóteses de ter um não como resposta.
Ao sairmos de Lisboa, da nossa casa, deparámo-nos com uma carrinha estacionada em cima do passeio. Lá dentro estavam dois homens com aspeto estranho. Ao abrir a porta do  carro, alguém me tapou a cabeça e me arrastou. Acho que fui raptada.

ELE
Já se passaram sete dias, não há luz. Tenho medo.
Parece-me ouvir o ruído de um motor. Talvez seja a polícia. Há uma porta enferrujada a abrir. Não,  não é a polícia, são os raptores e trazem mais alguém que se debate e tenta libertar-se. Parece-me a voz da Rita a gritar. Levanto-me em sobressalto e espero que lhe destapem a cabeça. Lá estão os olhos da Rita,  agora vermelhos de tanto chorar, incrédulos e aterrorizados.
- Olha os dois pombinhos juntos - ironizou um dos indivíduos.
- Devias ter dado mais atenção às ameaças - vociferou outro.
-Larguem-na! - gritei.
Inesperadamente, ouço o som do gatilho. Fui atingido. Consigo ver dois olhos verdes postos em mim, desfeitos em lágrimas.
Há sirenes ao longe. Vejo a Rita escapar antes dos meus olhos se fecharem completamente.
 
"Quem escreve um conto, acrescenta um ponto", 8.º ano, maio 2017





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