quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Outro conto do mundo - Quando os homens tinham asas

Uma história de esperança e liberdade para todos os que, nos dias de hoje, são escravos.


Há séculos atrás, os africanos foram raptados, levados para a América do Norte contra a sua vontade e forçados a trabalhar como escravos...

John acordou com o nascer do sol. Para ele não havia pequeno-almoço, só trabalho árduo nos campos de algodão. As pernas estavam doridas do chicote do capataz e o estômago doía-lhe de fome No entanto, trabalhou toda a manhã ao lado dos outros, a apanhar algodão sob o sol quente.
Foi então que começou o burburinho. Não era permitido haver conversa e o capataz cavalgava entre os apanhadores de algodão, certificando-se de que todos trabalhavam afincadamente. Assim, a notícia - a alegre notícia - de que os escravos de Master Tom, do outro lado da colina, haviam criado asas e voado, passou em sussurro de boca em boca.
- Que queres dizer com "voado"? - murmurou John para o velhote que lhe estava a dar a notícia.
- Exactamente aquilo que te estou a dizer - disse o homem. - Nunca nuiguém te disse que em África as pessoas conseguem voar?
- O meu pai é de África, mas não consegue voar - protestou John, continuando a apanhar o algodão para o caso de ser apanhado pelo olhar cruel do capataz.
 - Isso é porque perdemos o poder quando fomos trazidos do outro lado do oceano . disse o velhote. - As nossas asas mirraram e morreram.
-É verdade - sussurrou Mary. - Eu tinha asas. Mais negras que as dos melros, que reluziam ao sol. Mas perdi tudo: o poder e as asas - de repente pareceu mais triste do que nunca, quando recordou os dias há muito esquecidos de voos planados pelos céus africanos,
- Então porque é que os escravos de Master Tom ainda têm o poder? - murmurou John.- E porque não voaram senão só agora?
Mas a conversa ficou por aí, porque o capataz passou por eles a trote com o seu chicote perscrutando-os um a um com o olhar.
Depois de ele ter passado, o velhote respondeu a John:
- Porque o poder foi-lhes devolvido por Aquele-Que-Se-Lembra, um vidente que tem o condão de dizer palavras que fazem crescer as asas.
- Porque é que ele não partilhou as palavras? - perguntou John. - Alguém da plantação de Master Tom poderia ter-nos dito!
-Assim que as palavras são ditas e que a magia atua, são esquecidas por todos, menos por aquele que as pronuncia - murmurou Mary. - É assim que funciona alguma magia africana.
John estava triste.
-Se pelos menos  Aquele-Que-Se-Lembra estivesse na nossa plantação - disse John.
-Mas estou - disse o velhote, e disse as palavras secretas.
Depois, endireitou-se no meio do campo e gritou:
-Dêem as mãos! - e todos os escravos correram para juntar as mãos.
- Voltem para o trabalho! - gritou o capataz, galopando em direcção a eles.
- Voem! - disse o velhote, e John sentiu a camisa a rasgar à medida que as suas novas asas rompiam o tecido, e ele e todos os demais do círculo  elevaram-se no ar.

Estavam a voar! Eram livres!




in Mitos & Lendas Norte-Americanas, Philip Ardag, Editorial Estampa

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